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SORAYA & CIA


Pedagogia ao Pé da Letra
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Pedagogia ao Pé da Letra

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Pais educadores


Pais educadores
“Aquilo que a memória ama se torna eterno”
Adélia Prado
Para contar esta pequena história é necessário que eu comece falando sobre o protagonista da mesma, meu pai. Um pai daqueles que eu, “filho coruja”, poderia dizer sobre ele o seguinte: a propaganda da pomada que dizia – “Não basta ser pai, tem que participar” – foi inspirada nele.
“Meu velho” veio de uma família humilde, filho do meu querido “vô Dito”, que trabalhava na estação ferroviária e da “vó Maria”, dona de casa. Desde garoto cultivou e lutou pelos seus sonhos realizando alguns deles. Jogou futebol pela Sociedade Esportiva Itapirense, ah, já ia me esquecendo, o Beline, capitão da primeira Copa do Mundo conquistada pela Seleção Brasileira, teve a honra de jogar com meu pai. Também foi locutor de rádio, ou melhor, “espiquer”, como diz ele. Gostava dos heróis das histórias em quadrinhos e do cinema, como Capitão América, Batman e outros. Andava de Vespa, usava topete e viu nascer o Rockn’rol. Teve muitas namoradas e casou com o grande amor de sua vida, Maria Auxiliadora.
Tinha gosto pelos estudos e se formou em Medicina. Hoje, é Professor-Titular do Departamento de Otorrinolaringologia da USP. Começou a lecionar em cursos pré-vestibulares na época em que era moda usar costeletas tipo Elvis Presley. Nesses cursinhos era chamado de Juba, até hoje não sei se pela vasta cabeleira ou pelas histórias “cabeludas” que contava sobre as plantas e os animais curiosos sobre os quais pesquisava e pesquisa.
Como pai, esteve sempre presente. Durante as férias pegávamos “jacaré” nas praias paulistas. Era didático e minucioso me ensinando a jogar futebol; tinha um momento de aprender a “matar” a bola no peito, de chutar utilizando o peito do pé.
Lembro-me de que, nos finais dos treinos, me chamava de “novo Ademir da Guia”, craque dos bons tempos do Palmeiras, seu time do coração; até hoje, por essas e outras, brinco dizendo que ele é o culpado pelo meu excesso de auto-estima. Outra coisa, da qual não me esqueço e fundamental para que eu desenvolvesse o gosto pela leitura e Filosofia, foram as citações e os provérbios entregues, semanalmente, a mim e a meus irmãos. Ficávamos ávidos esperando pelos próximos aforismos e parábolas.
Feito esse preâmbulo, vamos à história. Se, nas férias de verão o destino era o litoral, nas de julho, a família Ferreira de Oliveira tocava o “cabriollet” para a fazenda do “vô Oliveiro” e da “vó Lili”, lugar ideal para meu pai escrever seus livros, preparar suas teses.
Em uma dessas férias, mais precisamente quando eu cursava o primeiro colegial, meu pai, preocupado com a minha falta de interesse e aptidão para as matérias da área de exatas, bolou, sem aviso prévio, um curso intensivo de Física. Fiquei surpreso quando notei que, daquela vez ele não levara seus livros e materiais, e sim apostilas de cursinho.
Apreensivo, pensei: “Adeus preguiça na rede, cavalos e currais”. Dito e feito, os três primeiros dias, muita teoria sobre Cinemática, assunto pelo qual eu não tinha e continuava não tendo o menor interesse. Entretanto, no quarto dia “a grande sacada”, meu “Celestin Freinet” particular convocou-me para uma aula-passeio em nossa possante Variant bege. Meu pai vinha tentando me ensinar a dirigir e resolveu retomar a “empreitada” no cenário bucólico da fazenda.
Saímos pela estrada de terra levantando poeira. À medida que avançávamos em linha reta, meu pai não perdia a oportunidade e aproveitava para me explicar que estávamos realizando um movimento retilíneo uniforme; logo depois, pedia para eu dar a ré e dizer: “Esse é o movimento retrógrado”.
As informações iam se sucedendo assim como as mudanças de marchas com as quais eu me atrapalhava todo, mas à medida que o passeio acontecia, os conceitos começaram a fazer sentido e me apropriei deles, tanto que meu pai resolveu fazer uma prova oral. Tudo ia bem, pois respostas corretas confirmavam o meu aprendizado, até o momento em que me vi novamente em um linha reta respondendo que se tratava de um movimento retilíneo uniforme e, de repente, apareceu uma vaca à nossa frente. Fui obrigado a virar abruptamente a direção do carro. Naquele momento, um tanto aturdido, meu pai falou:
— Pô, André, esse é o movimento curvilíneo!
Rapidamente me defendi:
— Pai, melhor errar a resposta do que acertar a vaca.
Ao que ele retrucou:
— Vaca, mas que vaca?!
Quando ele viu a vaca, caímos na risada.
É verdade que fui reprovado duas vezes antes de conseguir tirar minha carteira de habilitação, mas, em contrapartida, os conceitos de Cinemática vivenciados naquele dia, jamais esqueci. Ali estava presente o afeto, o meu e o de meu pai, a vida e o saber, juntos, dando significado àquele momento de aprendizagem.
Educar é tocar, marcar o filho ou aluno com a bondade. Como diz a psicanalista Inês Lemos: “Guimarães Rosa toca a essência do ato de educar, ao fazê-lo em consonância com o ato de rememorar. O que lembramos temos. Filho que se identifica com o pai, tenta imitá-lo, como o cavalo de Riobaldo: – (…) cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito.”

André Luís

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